Estados Unidos: existe uma crise de envelhecimento nas prisões de Nova York e precisamos resolvê-la

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Rodney Holcombe é Diretor de Reforma da Justiça Criminal do Estado de Nova York na FWD.us, uma organização com sede nos EUA que promove a justiça criminal, bem como a reforma migratória. A FWD.us  trabalha atualmente em busca de soluções para o aumento do envelhecimento da população carcerária de Nova York e para corrigir o regime prisional ineficaz desse estado, especificamente no que diz respeito à concessão de liberdade condicional. Holcombe explica a crise do envelhecimento e por qual razão a reforma no regime prisional poderia reduzir as disparidades raciais existentes e economizar milhões de dólares ao Estado anualmente.

Nas últimas décadas, houve um aumento significativo no envelhecimento populacional nas prisões de Nova York. O aumento não aconteceu por acidente e nem sequer de um dia para o outro. A dura era do crime nas décadas de 1980 e 1990 nos Estados Unidos, que foi impulsionada em grande parte pelo racismo e pela disseminação do medo, deu início a sentenças de prisão mais longas em todo o país e em Nova York. Com poucas oportunidades de soltura (se houvesse alguma), isso significou que bilhões de dólares a mais foram gastos no policiamento e no encarceramento. Atualmente, a proporção de pessoas com mais de 55 anos nas prisões do estado subiu para 15%, ou cerca de 4.900 pessoas. Os líderes estaduais devem implementar mudanças políticas significativas para enfrentar esta crise, a menos que queiramos que nossas prisões continuem a ser centros de cuidados para idosos.

Penas de prisão longas e oportunidades de soltura limitadas têm custos extremamente elevados, como custos fiscais e, dentre outros, custos particularmente para os idosos. Para começar, as prisões são ambientes inadequados para o acesso aos cuidados de saúde, e as pessoas dentro delas são mais propensas a sofrer de condições crônicas de saúde - como por exemplo, doenças cardíacas e hipertensão - do que aqueles que não encontram-se encarcerados.

Vale mencionar que pesquisas demonstram, frequentemente, que uma pessoa na prisão geralmente tem a saúde de alguém 10 anos mais velho. Ou seja, uma pessoa que tem 55 anos na prisão tem o perfil de saúde de uma pessoa que tem 65 anos fora da prisão. Isso é causado em grande parte pela falta de tratamento de doenças ligadas ao uso de drogas, cuidados preventivos insuficientes e, naturalmente, o estresse associado à prisão. Além disso, a arquitetura típica das prisões torna extremamente difícil para uma pessoa mais velha ou que precise de uma cadeira de rodas, ou de outro dispositivo de mobilidade, transitar com segurança pelas instalações. O custo fiscal é igualmente alarmante. Em Nova York, o custo de encarcerar uma pessoa mais velha é de duas a quatro vezes maior do que encarcerar uma pessoa mais jovem, a saber, $ 60mil contra $ 120mil a $ 240mil dólares americanos. Aliás, isso nem aborda o impacto que a separação prolongada tem sobre as famílias e comunidades, muitas das quais são forçadas a viver sem o apoio de um ente querido por décadas, ou indefinidamente.  

Expandir a elegibilidade da liberdade condicional e tornar as oportunidades de soltura mais justas em Nova York podem começar a resolver a crise do envelhecimento, e ao mesmo trazer avanços na saúde e na segurança pública.

Negando a esperança de uma segunda chance

Enquanto 64% da população carcerária de Nova York recebeu uma sentença condenatória (por exemplo, uma pena fixada à 5 anos) ou prisão perpétua sem liberdade condicional, cerca de 36% está cumprindo sentenças indeterminadas, o que significa que essas pessoas são condenadas a um intervalo em vez de uma pena específica (por exemplo, 5 a 10 anos ou 15 anos até a prisão perpétua). Pessoas que atingem o tempo mínimo de sua sentença indeterminada (o limite inferior de sua faixa da condenação) são elegíveis a comparecer ao Conselho de Liberdade Condicional (que atualmente está com falta de funcionários) para uma audiência que leva meses de preparação para as pessoas presas, mas que dura apenas cerca de 15 minutos. Este Conselho foi criado para determinar a aptidão de uma pessoa à soltura com supervisão na comunidade. No entanto, os comissários da liberdade condicional baseiam continuamente suas decisões no crime pelo qual a pessoa foi condenada, o único fator que não pode ser alterado. Esse critério está em desacordo com o objetivo das sentenças indeterminadas, que devem priorizar a soltura, não sentenciar novamente. A taxa de liberdade condicional caiu para 48% em 2020. E quando avaliamos a questão racial, observamos que os negros e latinos são muito mais propensos a terem seus pedidos de liberdade condicional negados do que seus homólogos brancos

Na melhor das hipóteses, muitas pessoas são soltas apenas depois de comparecerem ao Conselho de 9 a 10 vezes, o que pode significar que ficaram presas por 18 a 20 anos além de sua sentença mínima (as pessoas comparecem ao Conselho a cada dois anos após cumprirem sua sentença mínima). Na pior das hipóteses, elas morrem antes mesmo que uma audiência de liberdade condicional possa ser agendada, ou depois de ir ao Conselho inúmeras vezes e verem seu pedido constantemente negado. Valerie Gaiter, por exemplo, cumpriu quatro décadas de prisão antes de sua morte, e nunca chegou a ir ao Conselho de liberdade condicional para sua primeira audiência. Salih Abdullah morreu de ataque cardíaco enquanto caminhava para o banheiro durante sua 14ª audiência de liberdade condicional. John MacKenzie morreu por suicídio depois de ter a liberdade condicional negada pela décima vez.

Se o Estados Unidos pretende preservar valores como a redenção e a segunda chance, então devemos começar a desenvolver caminhos para torná-los realidade. Isso significa criar oportunidades reais e significativas para a soltura de pessoas e implementar soluções de longo prazo que reduzam nossa dependência dos ambientes carcerários daqui para frente.

Em busca de um sistema de liberdade condicional mais justo e menos racista

Durante a sessão legislativa de 2021, a Assembleia Legislativa do estado de Nova York está considerando dois projetos de lei que podem começar a abordar a crise de envelhecimento em suas prisões. Uma lei de liberdade condicional para pessoas mais velhas, a Elder Parole, expandiria significativamente as oportunidades de liberdade condicional para os presos nova-iorquinos mais velhos. Essa lei daria uma chance de liberdade condicional a qualquer pessoa que tenha 55 anos ou mais e que já tenha cumprido 15 anos de sua pena. Isso imediatamente tornaria 1.000 pessoas mais velhas elegíveis para liberdade condicional, e centenas mais nos anos posteriores. Desta forma, é vital que esta lei seja aprovada em conjunto com a Fair & Timely Parole Act (Lei de liberdade condicional justa e oportuna - tradução livre), que criaria um processo de liberdade condicional mais justo que não se concentre apenas na condenação passada de uma pessoa. Juntas, essas leis começariam a resolver a crise de envelhecimento nas prisões do estado, reduzir as desigualdades raciais nas decisões de liberdade condicional e economizar US$ 522 milhões de dólares americanos anualmente que poderiam ser usados para abordar as causas básicas do crime e reunir famílias.

Uma vez que essas leis forem aprovadas, os legisladores devem voltar sua atenção para as sentenças extraordinariamente mais longas distribuídas em Nova York, e iniciar o trabalho de redução das penas de prisão retroativamente e prospectivamente. Ainda, devemos avançar com outras reformas para começar a abordar as profundas desigualdades raciais e econômicas do país - ambas as quais agravam o problema do encarceramento. É também crucial que comecemos a reconhecer que os esforços para oferecer “uma segunda chance” são muitas vezes a única chance real que uma pessoa já recebeu. O fornecimento de recursos necessários para aumentar a segurança e reduzir o encarceramento - tais como educação, saúde e emprego - reduziria a necessidade das pessoas em terem segundas chances. Essas reformas começarão a desconstruir o sistema carcerário extremamente punitivo de Nova York e a dar às pessoas encarceradas, principalmente aos idosos, um caminho de volta para casa.

Traduzido por Doralice Silva e revisado por Milena Couto

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