Prisão perpétua - uma pena que necessita urgentemente de reforma

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Neste artigo, Olivia Rope, Diretora Executiva da Penal Reform International (PRI), discute penas de prisão perpétua, uma questão prioritária para a PRI.  A organização vem destacando há anos o uso problemático de penas de prisão perpétua, em relação ao seu uso como uma alternativa à pena de morte, e mais recentemente, por meio de nosso trabalho com a Universidade de Nottingham para chamar a atenção internacional - inclusive das Nações Unidas - para a necessidade de reforma, tendo em vista o aumento do uso da pena de prisão perpétua. Uma publicação importante sobre o assunto é seu briefing de 2018 sobre a questão da prisão perpétua.

No início deste século, havia cerca de 261.000 pessoas cumprindo pena formal de prisão perpétua (a prisão perpétua formal é usada para descrever casos em que o tribunal impõe explicitamente uma sentença de prisão perpétua). Em 2014, esse número cresceu para cerca de de meio milhão de pessoas (479.000) - um aumento de aproximadamente 84%.

O número de pessoas que cumprem penas informais de prisão perpétua (quando a pena imposta não pode ser chamada de "prisão perpétua", mas pode resultar na pessoa passando a vida inteira na prisão) permanece desconhecido.

Embora existam disparidades significativas no uso da prisão perpétua entre os países, a prisão perpétua formal está prevista nos códigos jurídicos de 183 países e territórios; e 65 países usam sentenças de prisão perpétua sem liberdade condicional (life without parole). Pelo menos 64 países têm disposições para penas de prisão perpétua ou informais e, pelo menos, 50 países têm disposições para prisão preventiva por tempo indeterminado pós-condenação, mas é provável que esse numero seja bem maior.

Mapeando o aumento de sentenças de prisão perpétua

A população carcerária continua a aumentar, assim como os níveis correspondentes de superlotação carcerária. O aumento da prisão perpétua faz parte dessa tendência mais ampla. O afastamento da pena de morte fez com que muitos códigos penais substituíssem a pena de morte por prisão perpétua ou que os tribunais comutassem as sentenças, como é visto no Cazaquistão e em Burkina Faso nos últimos anos.

As sentenças de prisão perpétua também estão aumentando devido a uma abordagem "linha-dura". Na Polônia e na Sérvia, a legislação estabeleceu recentemente penas de prisão perpétua sem liberdade condicional e na Nicarágua a pena máxima foi aumentada de 30 anos para prisão perpétua.

O crescimento tem sido mais dramático em alguns países do que em outros. Nos Estados Unidos, um novo relatório do "Projeto de sentenças" (Sentencing Project) mostra que uma em cada sete pessoas nas prisões americanas está cumprindo pena perpétua, ou seja, um total de 203.865 pessoas. Mulheres cumprindo prisão perpétua, sem liberdade condicional, nos Estados Unidos aumentaram 43% entre 2008 e 2020, em comparação com um aumento de 29% entre os homens. Outros países com uma relação crescente de penas de prisão perpétua incluem a Índia, onde mais da metade da população carcerária está cumprindo pena, assim como a África do Sul, onde os números aumentaram 818% entre 2000 e 2014.

Por que mais pessoas são condenadas à prisão perpétua?

Não é porque crimes mais graves estão sendo cometidos que há mais pessoas na prisão e mais pessoas cumprindo pena. Na verdade, conforme documentado em nossa série anual sobre as tendências globais quanto ao uso o encarceramento (Global Prison Trends), as pesquisas mostram que há pouca correlação entre as taxas de criminalidade e as populações carcerárias. Da mesma forma, um aumento nas sentenças de prisão perpétua (ou outras sentenças longas) não reflete um aumento nas infrações graves.

A pesquisa também mostra que sentenças mais duras não impedem o crime. A política de drogas é um bom exemplo. O número cada vez maior de pessoas que usam drogas em todo o mundo mostra que décadas de sentenças cada vez mais duras para punir o consumo e o tráfico, sob as bandeiras de "um mundo sem drogas" e "uma guerra contra as drogas", falharam. Aproximadamente 1 em cada 5 pessoas presas em todo o mundo estão lá por crimes relacionados com drogas. Apesar disso, muitos países, incluindo a Nova Zelândia, Tailândia e os EUA, justificam o uso de penas de prisão perpétua para crimes de drogas (não violentos).

Implicações para os direitos humanos - e gestão penitenciária

A pesquisa pioneira dos membros do Conselho do PRI, Dirk van Zyl Smit e Catherine Appleton, trouxe uma luz sobre as implicações das sentenças de prisão perpétua para os direitos humanos. Fundamentalmente, a pena é desproporcionalmente punitiva, especialmente quando usada para punir crimes não violentos, como no caso de fornecimento de drogas. O tratamento mais severo muitas vezes experimentado por pessoas que cumprem prisão perpétua, incluindo a negação de acesso a programas de reabilitação em muitos países, seu confinamento solitário por longos períodos e o uso rotineiro de algemas, impede que um dos propósitos da prisão seja cumprido - isto é, a reabilitação, conforme consagrado nas Regras de Nelson Mandela da ONU. A prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional, em particular, levanta questões de punição cruel, desumana e degradante, e mina o direito à dignidade humana ao remover qualquer esperança de libertação e tornar o propósito reabilitador da prisão essencialmente sem sentido.

Uma pessoa que cumpre pena perpétua explica o conceito de dignidade melhor do que eu posso colocar em palavras: “A vida na prisão é uma morte lenta e torturante. Talvez tivesse sido melhor se eles tivessem apenas me colocado na cadeira elétrica e acabado com minha vida em vez da prisão perpétua, me deixando apodrecer na prisão. Não serve a nenhum propósito. Torna-se um fardo para todos”.[1]

O aumento constante do uso de penas de prisão perpétua resultou em um rápido envelhecimento da população carcerária, o que apresenta muitos problemas para as administrações penitenciárias em relação à saúde e salvaguardas. Nos Estados Unidos, 30% das pessoas que cumprem pena perpétua têm 55 anos ou mais, ou seja, mais de 61.000 pessoas. Padrões semelhantes foram observados na Austrália, no Reino Unido e no Japão. A prisão acelera o processo de envelhecimento, de modo que as pessoas que cumprem penas longas freqüentemente têm necessidades mais complexas de cuidados com a saúde. A gestão de idosos na prisão, incluindo aqueles com doenças crônicas ou terminais, também coloca uma grande pressão sobre os funcionários da prisão, que, muitas vezes, não são treinados para lidar com suas complexas condições de saúde ou fornecer cuidados paliativos. Ademais, é um desafio fornecer programas de reabilitação e reintegração personalizados e significativos para idosos ou aqueles que cumprem penas longas.

Mais recentemente, a pandemia COVID-19 revelou até que ponto as sentenças de prisão perpétua violam os direitos humanos. O coronavírus teve um impacto desproporcional em pessoas idosas, mas para pessoas idosas na prisão este risco é ainda mais exacerbado. É, portanto, preocupante que os critérios de libertação de penitenciárias em casos de emergência em algumas jurisdições, incluindo o Reino Unido, tenham excluído explicitamente pessoas condenadas à prisão perpétua. Essas políticas ignoram o estado de saúde de alguém que pode ter cumprido a maior parte de sua pena e não apresentam mais risco para a sociedade.

Criando impulso para a mudança

No briefing da PRI sobre prisão perpétua, publicado com a Universidade de Nottingham, estabelecemos recomendações para reforma nas penas de prisão perpétua. A abolição da pena perpétua sem possibilidade de concessão de liberdade condicional e a restrição da pena de prisão perpétua apenas para crimes considerados "mais graves" são pontos de partida importantes.

Atualmente há uma dinâmica e mais atenção sendo dada à questão das penas de prisão perpétua. Parcerias e colaborações são essenciais para  mudar o rumo nesta questão. A Penal Reform International continua a defender e trabalhar por reformas práticas. Em vista disso, saudamos o recente apoio da ONU, que estava em silêncio sobre o assunto desde 1994. Como Ilze Brands Kehris, o Secretário-Geral Adjunto da ONU para Direitos Humanos disse em nosso evento sobre prisão perpétua no 14º Congresso do Crime da ONU em março de 2021:

‘Os custos e consequências [da prisão perpétua] para a dignidade humana e os direitos humanos são imensos. [...] Devemos unir forças para mudar as políticas e práticas penais para conter a tendência crescente no uso da prisão perpétua. '

Traduzido por Larissa KrönerTeixeira revisado por Karina Laskawski


[1] Trecho retirado de uma entrevista com um prisioneiro em Zehr H (1998), Doing Life: Reflections of Men and Women Serving Life Sentences. Intercourse, PA: Good Books.

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