Europa: por um enquadramento jurídico vinculante sobre os locais de detenção

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Saskia Bricmont, nascida em Ath (Bélgica), é a representante do partido Ecolo eleita a integrar o Parlamento Europeu desde maio de 2019. Ela defende um projeto de sociedade aberta, altruísta e tolerante. Ela apoia aquelas e aqueles que se comprometem diariamente com a democracia, com os direitos humanos e com a justiça social. Para ela, é a nível europeu que se desenrolam as grandes questões, como o respeito às liberdades fundamentais, o crescimento das desigualdades, a restruturação do nosso modelo social e os direitos das pessoas LGBTQI+.

Nesse texto, Saskia aborda a possibilidade de se estabelecer um quadro europeu vinculante de implementação de normas mínimas nos locais de detenção.

A pandemia de Covid-19 revelou a extrema vulnerabilidade dos nossos sistemas penitenciários. Demonstrou, como se ainda fosse preciso, a necessidade de repensar a detenção e os locais de detenção na União Europeia. Essas questões foram lançadas à frente do cenário midiático desde o primeiro confinamento, por vezes de forma muito sensacionalista. Elas atraíram, no entanto, a atenção dos círculos políticos europeus.

Uma abordagem europeia da detenção

Em resposta à emergência sanitária, os Estados-membros tomaram decisões convergentes em certos aspectos, a fim de evitar os riscos de contágio dentro dos estabelecimentos penitenciários. As diferenças entre Estados-membros permanecem, contudo, significativas. A crise e as suas consequências propiciaram uma oportunidade sem precedentes para conhecer os limites dos sistemas carcerários europeus e para aprender com os obstáculos que puderam ser ultrapassados, com consultas e com o intercâmbio de boas práticas, sobretudo em relação às alternativas à detenção.

Uma abordagem europeia sobre essas questões é igualmente necessária para continuar desenvolvendo o espaço europeu de liberdade, de segurança e de justiça. Tal desenvolvimento deve andar em conjunto com o respeito e com a harmonização dos direitos dos detidos, componente essencial da cooperação judiciária.

A União Europeia, enquanto espaço de proteção das liberdades fundamentais, não pode mais se esquivar dos problemas ligados aos locais de detenção: prisões, cadeias de custódia, centros fechados (centros de detenção para imigrantes) que, sejamos claros, configuram uma verdadeira vergonha para os nossos Estados. Somam-se a essa vergonha as críticas frequentes dos órgãos jurisdicionais internacionais encarregados de visitar locais de privação de liberdade e de assegurar o respeito aos direitos fundamentais.

O questionamento sobre a detenção e sobre os locais de privação de liberdade remete inevitavelmente à posição e ao papel da justiça penal nas nossas sociedades. Questiona-se também a definição da pena, sobretudo quando ela é privativa de liberdade. Uma reforma no tocante à detenção requer uma reflexão global sobre a crescente penalização pelos nossos sistemas jurídicos e nossas sociedades.

Um trabalho de advocacy desde o Parlamento Europeu

O plano de ação da União Europeia em matéria de condições de detenção é regido pelos Tratados, diferentemente do plano do Conselho da Europa. A cooperação judiciária europeia depende em grande parte da vontade política dos Estados-membros. O que não significa, porém, que a União Europeia seja totalmente inerte a esse respeito.

A Europa não dispõe de normas comuns em matéria de detenção e de respeito aos direitos dos reclusos, o que dificulta a implementação do espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Por exemplo, a ausência de tais normas faz com que certos Estados-membros não apliquem o mandado de captura europeu. O avanço da cooperação judiciária está, assim, intimamente ligado à melhoria das condições de detenção na União Europeia.

O papel do Parlamento Europeu, enquanto fervoroso defensor da cooperação judiciária e da proteção dos direitos fundamentais, pode ser essencial. Razão pela qual queremos avançar no sentido da adoção de normas mínimas vinculantes quanto às condições de detenção na União Europeia. O direito comunitário não trata desse assunto. Nenhuma das seis diretivas relativas aos direitos dos acusados e dos suspeitos abrange a questão da detenção.

O Parlamento Europeu não possui o direito de iniciativa legislativa. Ele pode, contudo, tornar-se o vetor de uma defesa política junto aos colegisladores em favor de uma diretiva estabelecendo normas mínimas.

Para alcançar esse objetivo político, já realizamos um trabalho de advocacy em vários níveis: elaboração de diversos relatórios mencionando as condições de detenção[1]; organização de conferências, debates e audiências parlamentares; perguntas escritas do Parlamento e outras correspondências oficiais; consideração de tais questões em processos legislativos, como no caso do mandado de captura europeu.

Rumo a um avanço legislativo?

Pretendo continuar esse trabalho de defesa por meio da criação de um grupo de trabalho informal com a participação de eurodeputados de diferentes países e partidos, assim como de parceiros da sociedade civil. O objetivo será formular recomendações à Comissão Europeia, ao Conselho e aos Estados-membros. Esses, apesar de usualmente mais relutantes, têm tudo a ganhar com a implementação de normas mínimas vinculantes relativas aos locais de detenção.

Essa trabalho de advocacy interno europeu é possível graças ao trabalho de profissionais de campo e de associações que asseguram a coleta de dados e de informações, assim como a elaboração de recomendações; contribuições essenciais ao nosso trabalho parlamentar. Assim, aproveito este espaço para agradecer-lhes.

Os direitos das pessoas privadas de liberdade e as condições de detenção são questões fundamentais. Eles são um espelho das deficiências de nossas sociedades, amplamente intensificadas em razão da pandemia. Enquanto eurodeputada, trabalho com os meus colegas ecologistas a fim de estabelecer esse quadro europeu vinculante de implementação de normas mínimas nos locais de detenção. Esse primeiro passo não deve isentar-nos de uma reflexão aprofundada sobre a posição e o papel do cárcere nas nossas sociedades. 

Traduzido por Celine Andrade, revisado por Maria Clara Valente

 

[1] Ver “Relatório sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia”, publicado em 19 de novembro de 2020. (https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2020-0226_PT.html

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