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Maïté De Rue é Consultora Jurídica da Iniciativa de Justiça de Sociedade Aberta e ex-1ª Vice-Presidente do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT). Nesse texto, ela aborda a questão do uso da prisão provisória na Europa e suas consequências.
Um número cada vez maior de detidos se encontra em prisão preventiva. Em alguns Estados do Conselho da Europa, esse número atinge proporções preocupantes: a taxa média é de cerca de 29%, podendo atingir até 45% da população carcerária nos casos mais extremos. Essas pessoas são privadas de sua liberdade sem terem sido condenadas por um tribunal.
A parcela significativa de réus em prisão preventiva é motivo de preocupação em diversos aspectos. Em primeiro lugar, porque é uma causa importante de superlotação carcerária, afetando especialmente pessoas presumidamente inocentes. Em segundo lugar, porque as pessoas em prisão preventiva são frequentemente mantidas em condições ainda mais problemáticas do que as de prisioneiros condenados. É o que o trabalho de inspeção do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) vem destacando há mais de 30 anos.
Além do grave problema da superlotação, duas outras realidades são dignas de atenção. Em vários Estados, o contato dos réus com entes queridos é drasticamente limitado. Ademais, o acesso às atividades é geralmente muito restrito.
Condições de detenção ainda mais desfavoráveis
Em diversos países europeus, as prisões e os bairros dedicados aos presos preventivos se caracterizam por uma grave superlotação, muitas vezes acompanhada por más condições materiais. Em alguns casos, as condições de detenção se equiparam a um tratamento desumano ou degradante, nos termos do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).
O CPT considera que cada detido deveria dispor de um espaço mínimo vital de 4 m² em celas coletivas e de 6 m² em celas individuais[1]. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por sua vez, adota uma abordagem mais cautelosa. Em um acórdão do Tribunal Pleno, Muršić c. Croácia, de 20 de outubro de 2016, o Tribunal confirmou que uma “exigência de 3 m² de superfície no solo por detido em cela coletiva deve constituir a norma mínima relevante para fins de avaliação das condições de detenção nos termos do artigo 3.° da Convenção” (n.º 110).[2] O Tribunal acrescenta que, caso contrário, há uma forte presunção de violação do artigo 3.°, que pode ser refutada pela “presença de fatores especiais que compensem de forma adequada a falta de espaço pessoal” (n.º 126).[3]
No entanto, tais normas do CPT e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são constantemente violadas nas prisões para pessoas em prisão preventiva.[4] Esses detidos se encontram em celas coletivas superlotadas, em mau estado, com acesso limitado à luz natural, ventilação medíocre e até mesmo contaminadas com pragas.
Além disso, certos Estados permitem a prisão preventiva prolongada em delegacias de polícia. Tais instalações não são, no entanto, projetadas para detenções dessa natureza.[5] A detenção em delegacias de polícia também expõe os réus a um risco elevado de pressão, de intimidação ou de maus-tratos, como aponta o CPT.
Restrições indevidas de contatos com familiares
A manutenção dos laços afetivos com os entes queridos é fundamental quando uma pessoa está encarcerada. A CEDH a inclui no direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8.º) e o CPT também a considera uma questão de dignidade humana (artigo 3.º). As pessoas em prisão preventiva devem, no mínimo, beneficiar-se das mesmas oportunidades de contato que os presos condenados. Esse é também o entendimento do CPT.
No entanto, vários países europeus impõem restrições significativas aos réus, expondo-os a uma situação de grande vulnerabilidade. Em diversos Estados[6], as visitas e/ou as chamadas telefônicas estão sujeitas à autorização pelo magistrado encarregado da investigação. Destarte, detidos podem ser privados de toda forma de contato por vários meses. Em certos Estados, as visitas são permitidas somente em parlatório fechado, através de uma janela de vidro ou grade divisória[7]. Tal dispositivo impede qualquer contato físico. Há também casos em que os contatos são estritamente proibidos durante o período de prisão preventiva.[8] Essas restrições às visitas só devem ser aplicadas excepcionalmente, após avaliação minuciosa e individualizada dos riscos que uma pessoa pode representar para a segurança.
Acesso quase inexistente às atividades
A prisão preventiva se caracteriza frequentemente por uma completa ausência de atividades oferecidas aos detidos, os quais permanecem de 22 a 23 horas por dia em suas celas, sob as condições deploráveis descritas acima.[9]
A organização de atividades em prisão preventiva pode apresentar dificuldades práticas devido à grande rotatividade dos detidos. Tais dificuldades não podem, todavia, justificar o abandono dos réus, às vezes por períodos de detenção demasiado longos. O CPT recomenda que todos os detidos, sejam eles presos preventivos ou condenados, possam passar uma parte significativa do seu dia (oito horas) fora de sua cela. Eles devem participar de atividades motivadoras de natureza variada (trabalho, estudos, esportes, atividades coletivas etc.). O CPT salienta ainda que, quanto mais longo for o período de prisão preventiva, mais variado deveria ser o regime de atividades.
Para retomar a dignidade
O uso excessivo da prisão preventiva parece ser um pesado fardo humano e social. Um grande número de detidos se encontra isolados e inativos, em condições materiais desastrosas, antes mesmo de serem julgados. Nossas sociedades deveriam, portanto, enfrentar o problema e assegurar que a dignidade humana seja finalmente restaurada nos locais de detenção. Para tanto, é necessária uma redução drástica do número de pessoas em prisão preventiva e uma revisão igualmente fundamental das condições de vida em detenção.
[1] As instalações sanitárias estão excluídas do cálculo do espaço disponível. Nos últimos anos, no entanto, o CPT vem promovendo normas desejáveis mais amplas para as celas coletivas, partindo da constatação de que a norma de 4 m2 pode levar a situações de exiguidade inaceitáveis. É nesse sentido que o espaço vital deveria ser de ao menos 10m2 para 2 detidos, 14 m2 para 3 detidos e 18 m2 para 4 detidos. V. Espaço vital por detido nos estabelecimentos penitenciários: Normas do CPT, 2015, CPT/Fnf (2015) 44.
[2] O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estimou ser desnecessário aderir às normas do CPT, posto que as duas instituições exercem papéis diferentes; o CPT é responsável pela prevenção de maus-tratos, enquanto o Tribunal se encarrega de decidir se houve violação ao artigo 3.°, considerando todas as circunstâncias relevantes do processo (n.os 112-113).
[3] Tais fatores específicos se referem ao tempo de detenção, à liberdade de circulação fora da cela e às atividades oferecidas fora da cela ao detido, assim como ao caráter geralmente decente ou não das condições de detenção (n.os 129-135).
[4] V. em particular os relatórios do CPT dos últimos anos: República da Moldávia, visita em 2020, n.° 63; Ucrânia, visita em 2017, n. os 62-64; Montenegro, visita em 2017, n. o 50; Sérvia, visita em 2017, n. o 49; Albânia, visita em 2017, n. o 51; Bélgica, visita em 2017, n.° 66; Turquia, visita em 2017, n. os 92-93; Suíça, visita em 2015, n.° 46; França, visita em 2015, n.° 42. V. também o 26º Relatório Geral de Atividades do CPT (2016), com um capítulo sobre a prisão preventiva, espec. n.° 56.
[6] V., por exemplo, os seguintes relatórios do CPT: Áustria, visita em 2014, n.° 85; Geórgia, visita em 2014, n.° 115; Suíça, visita em 2015, n.° 68; Moldávia, visita em 2015, n.° 130; Bósnia e Herzegovina, visita em 2015, n.° 78; Kosovo, visita em 2015, n.° 78 Grão-Ducado do Luxemburgo, visita em 2015, n.° 71; Macedónia, visita em 2016, n.° 47; Polônia, visita em 2017, n.° 84; Lichtenstein, visita em 2016, n.° 50; Ucrânia, visita em 2017, n.° 101.
[7] V., em particular, os seguintes relatórios do CPT: Croácia, visita em 2017, n.° 65, Sérvia, visita em 2017, n.° 66; Macedónia do Norte, visita em 2016, n.° 47; Bósnia e Herzegovina, visita em 2015, n.° 78; Suíça, visita em 2015, n.° 69; Áustria, visita em 2014, n.° 86.