Inglaterra e País de Gales: penas de curta duração e direções para uma reforma futura

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Helen Mills é Chefe de Programas no Centro de Estudo sobre Crime e Justiça (Centre for Crime and Justice Studies). Helen examina atualmente as possibilidades para uma reforma penal impactante como parte do projeto Penas curtas de Prisão, financiado pela Fundação do Banco Lloyds para a Inglaterra e País de Gales. Nesse texto, Helen discute o controverso problema das penas prisão de curta duração.

O que fazer em relação às penas prisão de curta duração?

Você não tem que procurar muito para encontrar críticas ao atual uso de penas de curta duração na Inglaterra e no País de Gales. Até mesmo o White Paper do governo em 2020 em matéria de fixação de pena, o qual, de acordo com sua própria avaliação de impacto, ofereceu um plano para o “aumento da população [carcerária] e maiores períodos em custódia por alguns infratores”, foi mais conformado do que entusiasmado quanto às penas de curta duração. O White Paper descreveu essas penas como oferecendo apenas “alívio temporário pelo comportamento ofensivo”, e, “na melhor das hipóteses fornecendo proteção pública limitada, já que grande parte dos  infratores continuam praticando violações após a liberação”.

O princípio de que o encarceramento deve ser reservado a ofensas sérias tem sido estabelecido em termos estatutários desde 2003 (confirmado recentemente pelo Ato de Sentenciamento 2020 s.230 (2)). Apesar disso, na prática, pessoas continuam sendo constantemente encarceradas por delitos menores, fomentando uma “onerosa roda gigante” de múltiplas penas de prisão curtas desperdiçadas. Antes da pandemia, aproximadamente metade (46%) daqueles sentenciados à prisão foram sujeitos a penas por período menor ou igual a 6 meses.

Uma imensa oportunidade para mudança

Uma possível reforma que vise aumentar o uso de penas comunitárias no lugar do uso atual das penas de curta duração tem sido pautada em múltiplas instâncias, em termos de: proporcionalidade, efetividade ao reduzir a reincidência, moralidade, abordagem de necessidades intrínsecas como a problemática do uso de drogas, e em particular a garantia de melhores resultados para mulheres envolvidas em processos de justiça criminal. Outras considerações incluem o custo-benefício, as demandas adicionais que o caos e a rotatividade da curta permanência em locais de encarceramento acrescentam aos horários dos funcionários do sistema prisional, assim como as condições deteriorantes do estado das prisões – os riscos à saúde os quais são evidenciados pela pandemia.

De fato, é difícil encontrar uma fonte que tenha dizeres positivos sobre as penas de curta duração. Ainda assim, apesar disso, nós não parecemos estar perto de desafiar efetivamente sua utilização na prática. O interesse do governo em abordar o problema através de uma reforma da fixação da pena atingiu seu pico no fim de 2019. No início daquele ano, o então Ministro da Justiça estava formulando publicamente o caso para a introdução de presunção contra, ou limitação em penas de prisão de curta duração. No entanto, tal como as propostas firmes pareciam ser iminentes, esta agenda evaporou quase da noite para o dia com a eleição de Boris Johnson como Líder do Partido Conservador.

O fato de uma reforma da fixação da pena que pretende evitar a custódia não ser mais parte ativa da agenda política pode desapontar aqueles preocupados com a atual dependência ao encarceramento na Inglaterra e em Gales. No entanto, eu poderia ter preenchido o resto desse texto com um histórico de reformas intencionadas a reduzir os números de pessoas mandadas à prisão, ou a fornecer alternativas para a custódia, mas que falharam na prática.

O relatório do ICPR de 2021 sobre fixação da pena forneceu percepções úteis ao entendimento das razões por trás dos erros das reformas do passado:

- O problema das penas curtas de prisão está inextricavelmente ligado às providências tomadas quanto aos infratores reincidentes/persistentes.
- Uma reforma efetiva da fixação da pena requer claridade quanto ao limite da custódia: ou seja, precisa de maior especificidade sobre os fatores que determinam a custódia, dentro e fora, como sendo uma opção de pena.

Nenhum desses desafios é simples de se enfrentar.

De forma persistente, as propostas do ICPR para critérios mais rígidos de determinação do quão recente e da relevância das condenações anteriores ajudam a enfrentar de frente o problema. De forma mais ampla, nós deveríamos estar buscando implementar lições tiradas de pesquisas sobre desistência criminal para informar de forma mais realista sobre as respostas possíveis à transgressão e ao respeito das leis.

Quanto ao limite da custódia, nós precisamos de intervenções que vão além de simplesmente reafirmarem a atual obrigação estatutária aos sentenciadores para apenas impor o recurso à prisão se a ofensa "for tão séria que nem uma multa e nem uma pena comunitária possa ser justificável".

O significado da “seriedade” de uma infração tem natureza opaca, e falta-se clareza sobre o que isso significa para além do arbítrio de quem é responsável pela condenação. Essas características tem sido críticas importantes desta legislação, e também a razão do seu fracasso em restringir, na prática, o uso de penas de prisão curtas.

A necessidade de soluções concretas

Reformar as disposições colocadas em prática como uma resposta à recorrência de infrações, conforme descrito acima, seria uma forma de desafiar a utilização atual das penas de curta duração como uma barreira para a percepção da falha das penas comunitárias. Outras formas concretas de esclarecer a limitação da custódia poderiam incluir a definição das categorias de ofensa e as circunstâncias as quais não seriam normalmente aprisionáveis, exemplificando as circunstâncias em que a pena comunitária não seria adequada.

A presunção Alemã contra as penas de prisão de seis meses ou menos, implementada em 1969, requer que sentenciadores realizem duas avaliações antes de passarem tais sentenças: primeiramente, é necessário avaliar se a pena comunitária seria apropriada; e segundamente, examinar se a pena curta de prisão obteria o melhor resultado da condenação (ver Harrendorf, 2017). Talvez possamos aprender algo com isso.

É revigorante ver o ICPR, em seu relatório, lidar com os problemas das múltiplas condenações anteriores e seus efeitos quanto às limitações de custódia. O debate sobre as penas de curta duração tem por muito tempo ignorado problemas concretos como estes e dependido muito de soluções políticas mecânicas, tais como presunções e encarceramento.

Não é coincidência que as presunções e o encarceramento têm sido também frustrantes quanto a redução do uso de custódia em curtos períodos pelos sentenciadores, além de frequentemente não esclareceram as disposições utilizadas como resposta à recorrência de infrações à lei. (Sobre este assunto, ver a análise do Professor Cyrus Tata sobre o impacto limitado da presunção Escocesa contra as penas curtas).

O problema seria mesmo as penas curtas?

Enfrentar problemas concretos, como a persistência e o limite de custódia, seria uma maneira de também abordar melhor as traiçoeiras falhas das tentativas de reforma do uso das penas de curta duração. A falta de clareza sobre problemas específicos à fixação da pena que nós estamos buscando tratar através de reformas – como por exemplo o peso dado às condenações prévias – arriscaria situar as penas de curta duração como sendo elas o problema. Isso acaba deixando as penas de prisão de longa duração sem solução ou, na pior das hipóteses, reforça sua posição como uma solução “certa” para infrações “sérias”.

De fato, o aumento do uso de sentenças de prisão de mais de 12 meses tem sido o fator chave para o crescimento recente da população carcerária. O uso de penas curtas de prisão está caindo, proporcionalmente aos períodos de prisão mais longos. Em 2019, 64% das penas de prisão foram por períodos de 12 meses ou menos. Isso comparado a 70% dez anos antes.

O crescimento de penas de longa duração na Inglaterra e Gales parece não apenas continuar, mas tende a ser ainda mais exacerbado pelas reformas que vem acontecendo atualmente no parlamento como parte do Projeto de Lei sobre Polícia, Crime, Sentenças e Cortes (Police, Crime, Sentencing and Courts Bill).

Assim, talvez exista um caso progressivo a ser feito pela imposição de mais ao invés de algumas poucas penas curtas de prisão – se elas tomarem o lugar das penas longas de prisão? Durante um webinar recente no Centro de Estudos sobre Crimes e Justiça (Centre for Crime and Justice Studies), a Professora Sarah Armstrong discutiu países como a Noruega e seu uso frequente de penas curtas e o uso relativamente parcimonioso de sentenças longas de prisão. Ela questionou se as penas curtas poderiam

“ser algo que nós permitimos e apoiamos para manter a base baixa, para que o teto não suba mais”?*

*(aproximadamente aos 44.30 minutos de vídeo)

Traduzido por Júlia Alcala, revisado por Karina Laskawski

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